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Luís Soares presente nas cerimónias fúnebres de Mário Soares, escreve texto a propósito do falecimento do pai da democracia

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No dia da sua morte acompanharia as cerimónias fúnebres. Tinha esse compromisso comigo mesmo. Hoje, acompanhei as cerimónias fúnebres de “Mário Soares”, com honras de Estado, como era nossa obrigação, mas Mário Soares não morreu. Não morreu porque um Homem desta grandeza não morre. Não morreu quem lutou pela liberdade contra o regime do estado novo, primeiro. Quem fundou o Partido Socialista depois. Não morreu o “pai” da democracia portuguesa, e quem a consolidou. Não morreu quem fez de Portugal um país moderno, cosmopolita, europeu, e que afirmou a portugalidade no mundo.

No dia em que desaparece fisicamente uma das últimas figuras mundiais do século XX, recordarei o privilégio de com ele me ter cruzado por quatro ocasiões. A primeira recordação que tenho de Mário Soares resulta de duas fotografias que, ainda hoje, guardo religiosamente em casa, tiradas nos Paços dos Duques de Bragança. Regista a entrega de insígnias ao meu avô materno, Luís Marques de Carvalho. É uma distinção da cidade de Guimarães, entregue, pelo então Senhor Presidente da República. Na segunda foto cumprimenta a minha avó materna, Lígia Gorjão Freitas. Acresce que também eu, com pouco mais que 10 anos, surjo nessa foto junto dos meus avós.

Depois desta ocasião encontrei Mário Soares apenas mais três vezes. Uma em 2006, por ocasião da sua última candidatura presidencial, quando se debatiam eventuais limites constitucionais do Presidente da República; uma outra a meu convite, em 2013, em Guimarães, aquando da apresentação do livro “Um Político assume-se”; e a última no meu derradeiro Congresso da Juventude Socialista, em Troia, em 2014. Guardarei o meu registo fotográfico que confirma a afabilidade, a simpatia e o sorriso de que todos falam os que o conheceram de perto. Recordarei a resposta que me deu de que o quadro constitucional em vigor é equilibrado e preserva a sociedade que sonhou e ajudou a construir e que o fez lutar, quando todos o julgavam retirado. Recordo o “político assumido”, que deu título ao seu último livro que nos deixa uma lição de perseverança e de que vale a pena lutar para afirmar a nobreza da intervenção cívica e política. Recordo, emocionado, a sua intervenção no Congresso Nacional da Juventude Socialista, perante uma plateia de jovens, na véspera do seu 90º aniversário, considerando a sua presença, o melhor presente: “Num momento em que o país está de cócoras (…) ver-vos aqui aos berros pela liberdade e pela democracia, é o melhor que me podiam ter feito.”

Hoje estive nos Jerónimos, depois em S. Bento. Corri para o Rato para acompanhar a passagem do cortejo pela Sede do Partido Socialista. Ultrapassei em passada larga a multidão de pessoas que se dirigiam para o Cemitério dos Prazeres, onde foi a sepultar. Fi-lo com muitos camaradas, cidadãos, conhecidos e anónimos. Gente de todo o país, gratos pelo que Mário Soares nos deixa. “Soares é fixe” – gritou-se a medo nos Jerónimos; a viva voz no Rato, à sua passagem. “- É como um pai que partiu, balbuciou-me um homem rijo a verter lágrimas, ao ver-me chorando”. Chorei pela Democracia, pela Liberdade, pela República. Chorei por Mário Soares. No final, acabamos todos da mesma maneira, mas estou certo de que Soares não morreu.