0%
Posted inSem categoria

Intervenção na Sessão Solene da Assembleia Municipal de Guimarães

luissoares/Posted on /Comments Off

Intervenção de Luís Soares, pela bancada do Partido Socialista da Assembleia Municipal de Guimarães, na Sessão Solene Evocativa do 25 de Abril Cumpre-se, hoje 45 anos da revolução de abril. Tal como em 1820, na Revolução Liberal que substituiu o absolutismo monárquico pela Carta Constitucional, ou no 5 de outubro de 1910 que substituiu o regime monárquico pelo regime republicano, também o 25 de abril de 1974 foi a expressão de uma mudança abrupta no poder político em Portugal e na forma como se organizava a sociedade portuguesa. A um regime decrépito, um grupo que conspirava como em todas as revoluções, respondeu de forma organizada, interpretando os anseios de Portugal e dos Portugueses, depondo e substituindo o obscurantismo da ditadura pela esperança de um futuro melhor. 45 anos depois, às perguntas, “abril cumpriu-se?” e “Valeu a pena?” ouvi Vasco Lourenço responder “Claro que se cumpriu e claro que valeu a pena”. O que mudou então Portugal nestes 45 anos? Primeiro a liberdade. A liberdade de pensar. De falar. De discordar. De ganhar ou perder. Mas sobretudo a liberdade de lutar pelo que se acredita em liberdade. A liberdade que só o Estado, e os serviços públicos nos dão. A liberdade universal de irmos à escola pública, do pré-escolar à Universidade. A liberdade de sermos tratados na doença, independentemente da nossa condição social ou económica. A liberdade de vivermos em segurança e em paz com uma resposta pública para o nosso final de vida. Com a liberdade veio a mobilidade social dos portugueses. O destino de quem nasceu pobre, deixou de ser o destino de pobreza. E os que nasceram ricos, não continuariam ricos apenas porque assim nasceram. Com abril surgiram novas oportunidades. Uma filha de trabalhadores agrícolas pôde frequentar a escola. Aprender a ler e a escrever aos 6 anos, quando os pais tinham aprendido aos 40. Pôde concluir o ensino universitário que os pais sonharam para ela e para os irmãos, porque não puderam sonhar para eles próprios. Pôde brincar na infância, que foi roubada aos pais pelo trabalho infantil necessário para a sua própria subsistência da família. Essa filha pôde aceder a uma profissão melhor remunerada, com direitos, com direito a férias e com direito à realização familiar. Pôde casar, entrecruzando-se socialmente, viver uma vida diferente, uma vida melhor, uma vida mais feliz e com esperança. Porque abril foi isso. Esperança e felicidade. Com abril iniciamos e concretizamos o caminho sonhado por Mário Soares de integração europeia, de livre circulação, que permitiu que muitos portugueses deixassem de saltar fronteiras por necessidade e obrigação e passassem a puder fazê—lo por realização profissional ou por destino de férias. Com abril e com o projeto europeu vingou a ideia de liberdade de circulação, expressão máxima do projeto europeu como projeto de paz e de solidariedade entre os povos. Portanto Vasco Lourenço tem razão: abril cumpriu-se e valeu a pena. Senhor Presidente, Senhores Deputados. Perspetivado estes 45 anos, olhemos agora para o momento atual do nosso regime democrático sob a perspetiva presente e sob a perspetiva futura. Se o regime fosse uma pessoa atingiria hoje a sua maturidade plena. Porém, se pensarmos que aos 41 anos da ditadura Salazarista se somaram quase mais dez de ditadura militar, as crises da 1ª República e uma sociedade profundamente estratificada em classes resultado da tradição monárquica portuguesa percebemos que 46 anos é pouco tempo para a consolidação da democracia e porventura são essas razões que explicam, ainda, os dias que hoje vivemos. Mais de meio século de obscurantismo ditatorial, repressão das liberdades e dos direitos individuais e coletivos que ainda hoje se refletem na sociedade portuguesa e no regime democrático. O receio de tomar partido, de expressar a intenção de voto, de expressar a opinião livre, de integrar candidaturas. O medo do poder e das suas exteriorizações, do condicionamento, da ameaça às opções individuais são ainda resquícios quotidianos do regime nacionalista de Salazar. Com os 45 anos comemorados hoje o regime atinge a meia idade e com ela a crise que normalmente a tipifica. Mas esta não é uma crise portuguesa. Olhemos para a ascensão dos Partidos de Extrema Direita, dos Partidos Nacionalistas na europa e do mundo. Olhemos para o crescendo da xenofobia, ou dos ataques às liberdades religiosas e das minorias. Ou olhemos simplesmente para o Reino Unido. Um país devastado pela 2ª grande guerra, há menos de 80 anos atrás e que vive, hoje, a braços com uma nova e grave crise política. E porquê? Porque os ingleses, os mais jovens em particular, julgaram que a democracia, que a liberdade de circularem na Europa, a liberdade de realização individual, que o projeto de paz que ajudaram a construir estava consolidado. E acordaram um dia, com o pesadelo de uma decisão referendada que compele o Reino Unido a sair do projeto Europeu, mesmo que a maioria, perceba, agora, que esse não é o melhor caminho. Os exemplos da Europa e do Mundo que parecem tão distante obrigam-nos, por isso, a olhar com preocupação para o reaparecimento em Portugal, reaparecimento porque nunca acabaram, de Movimentos Radicais e populistas. Movimentos Partidários. Movimentos sindicais e mesmo Movimentos Religiosos que têm apenas um objetivo: paralisar o estado como garante da liberdade; destruir as suas estruturas e serviços: o poder político representativo e os seus atores, os tribunais e a justiça, a segurança e os serviços públicos fundamentais. Para isso assentam a sua estratégia na arregimentação de exércitos de cidadãos descontentes, alvos fáceis, a quem o regime deixou de responder. Contudo, o problema é que os populistas, como no Reino Unido, na França, na América, no Brasil e como a história da humanidade demonstra nunca nasceram para resolver os problemas dos que não têm voz. Os populistas usam as novas formas de comunicação direta através dos média, jornais e das revistas, as novas tecnologias de informação, as redes sociais à cabeça, para aproximar quem estava longe para disseminar mensagem destruidora do regime, da democracia, da liberdade que conquistamos com abril. São essas as ferramentas sem controlo e sem regras a expressão sublime da crise do regime democrático que vivemos. Os pelourinhos espalhados pelo país e pelo mundo português de outrora, praças para expor, para castigar e para executar deram hoje, lugar, aos jornais, às redes sociais que se assumem como os pelourinhos do tempo moderno. Uma condenação pública sem julgamento, sem contraditório e muitas vezes sem culpa. Gente com rosto defendendo interesses económicos, interesses pessoais, e às vezes apenas de sobrevivência. Gente sem rosto, sem princípios e sem coragem. Se a isto se juntar a devassa constante da vida privada, o escrutínio desproporcional. As consequências na vida familiar. As limitações, proibições e incompatibilidades que se vão estabelecendo ao e no exercício de cargos políticos há uma pergunta que se impõe. Quem está disponível para o seu exercício e quem ficará para fazer política nestas condições. Ser-se político nestas condições é, como alguém escreveu, um ato de quase loucura. Mas foi na vida pública e partidária que encontrei o que de melhor existe. E hoje é dia de os recordar. Homens e mulheres como os que estamos aqui. Deputados, autarcas, soldados da paz e da ordem, dirigentes associativos, representantes de instituições, servidores públicos, assistentes operacionais, professores, médicos, enfermeiros, juízes, motoristas, jardineiros ou cantoneiros, polícias. Gente disponível. Sem dia, sem hora, que esquece a família. Uma vida de dedicação aos outros, que se secundariza e aos seus interesses, aos seus gostos e preocupações. Porque a comunidade está sempre primeiro. Gente que não se esconde, que dá a cara. Gente que não insulta, que respeita. Gente presente na vida que conta, que transforma. Gente da vida real. É este o batalhão de pessoas que connosco, eleitos continua a marchar ao nosso lado. Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, É por isso, por ocasião do 45º aniversário das comemorações do 25 de abril de 1974, que concluo que vivemos, porventura, o momento mais extraordinário da nossa história coletiva. Não que o momento Fundacional de Portugal em 1143, a Restauração da Independência em 1640, a Revolução Liberal de 1820, a Implantação da República em 1910 ou o 25 de abril de 1974 não tenham sido também elas as madrugadas pelas quais todos os portugueses esperavam. Mas há uma imagem que de alguma forma sintetiza a singularidade deste momento. A imagem de uma ponte que atravessamos. Estamos hoje a meio de um percurso. Mesmo no centro do tabuleiro. E só há dois caminhos possíveis. Seguir em frente ou voltar para trás. É uma decisão coletiva, de todos. Dos cidadãos, dos representantes políticos, dos Partidos, mas também dos Jornalistas e de todos os servidores públicos. Mas sobretudo dos jovens. Dos homens e das mulheres que carregam o desafio de continuar abril. Nada está garantido. Como não esteve no Reino Unido, ou não está na França, na Europa e no Mundo. Em Portugal. Nem a democracia, nem em Liberdade. Por isso é fundamental participar. Discutir, discordar, votar. Lutar pelo que se acredita. Da nossa parte assim faremos e estou certo, continuaremos a cumprir abril e sim, abril continuará a valer a pena.